“As pessoas respondem ao que é comunicado e não ao que é esperado.” Essa máxima em gestão nos informa que, por mais que tenhamos objetivos a serem alcançados, as pessoas se orientam ao que é comunicado. Ou seja, as pessoas se orientam àquilo que é mais concreto, direto, e, de uma forma geral, isso é representado pelos indicadores.
Quando falamos da Economia de um país, por exemplo, temos o PIB – Produto Interno Bruto, em linhas gerais, o quanto as empresas e pessoas produzem – como um dos mais importantes indicadores para se medir a riqueza da nação. As organizações e pessoas se orientam por esse indicador para definirem suas estratégias e decisões. Por representar o sucesso da nação, se o PIB está crescendo, a Economia é considerada saudável; se estagnado ou negativo, a nação está em sérias dificuldades.
O PIB é, portanto, a medida de nosso progresso enquanto sociedade. Será?
Butão, um pequeno país localizado no Himalaia, entre a Índia e a China, nos oferece uma fundamental contribuição para refletirmos sobre o que realmente significa progresso de uma nação e como podemos medi-lo.
Preocupado em conseguir medir de forma mais abrangente os resultados de seu governo, em 1972 o rei Jigme Singya Wangchuc desenvolveu o conceito do FIB – Felicidade Interna Bruta, para medir a geração de riqueza em seu país. O rei entendia que “gerar riqueza” vai muito além do crescimento econômico e deveria considerar outras dimensões da vida humana.
Um grupo de especialistas de diferentes áreas foi então reunido para pesquisar e refletir sobre o que deveria compor esse indicador. Após um longo e criterioso trabalho, os especialistas chegaram a um indicador que possui nove dimensões.
Além da dimensão econômico-financeira, representada nesse indicador como Padrão de Vida, outras oito importantes dimensões completam o FIB:
1) PADRÃO DE VIDA: considera a renda individual e familiar, a segurança financeira, o nível de dívidas, a qualidade das habitações, ou seja, o que é necessário para se ter uma vida digna.
2) SAÚDE: essa dimensão mede o quão eficaz são as políticas de saúde, com critérios como auto-avaliação da saúde, exercício, sono, nutrição, etc.
3) USO DO TEMPO: O uso do tempo é um dos mais significativos fatores na qualidade de vida, especialmente o tempo para lazer e socialização com família e amigos. A gestão equilibrada do tempo é avaliada, incluindo tempo no trânsito, no trabalho, nas atividades educacionais, etc.
4) VITALIDADE COMUNITÁRIA: tem por objetivo medir os relacionamentos e interações nas comunidades. Examina o nível de confiança, a sensação de pertencimento, a vitalidade dos relacionamentos afetivos, a segurança em casa e na comunidade, a prática de doação e de voluntariado.
5) EDUCAÇÃO: considera vários fatores como participação em educação formal e informal, competências, envolvimento na educação dos filhos, educação ambiental, entre outros.
6) CULTURA: considera as tradições locais, festivais, valores na família, participação em eventos culturais, oportunidades de desenvolver capacidades artísticas, e discriminação por causa de religião, raça ou gênero.
7) MEIO AMBIENTE: mede a percepção dos cidadãos quanto à qualidade da água, do ar, do solo, e da biodiversidade. Os indicadores incluem acesso a áreas verdes, sistema de coleta de lixo, e outras práticas ambientais.
8) GOVERNANÇA: avalia como a população vê o governo, a mídia, o judiciário, o sistema eleitoral, a segurança pública, em termos de responsabilidade, honestidade e transparência. Também mede a cidadania e o envolvimento dos cidadãos com as decisões e processos políticos.
9) BEM-ESTAR PSICOLÓGICO: essa dimensão se refere ao grau de satisfação e de otimismo que cada indivíduo tem em relação à sua própria vida. Inclui o quanto as emoções são positivas ou negativas, a auto-estima, a sensação de competência, o estresse e a relação consigo mesmo, ou seja, o desenvolvimento espiritual.
Fonte: O que é FIB?
Com essa visão ampliada de riqueza é possível realmente medir o quanto as pessoas individualmente e em sociedade são capazes de viver e conviver de forma saudável, resiliente e próspera. Também, oferece ao governo a possibilidade de entender onde estão as maiores necessidades, para que os projetos e programas possam ser mais efetivos.
Essa preocupação em ir além do PIB para medir a riqueza de uma nação também esteve presente em outro momento de nossa história. Em 18 de março de 1968, alguns anos antes do rei do Butão desenvolver o FIB, em um discurso na Universidade do Kansas, o então candidato à presidência dos EUA, Robert F. Kennedy demonstrou sua preocupação com o perigo de termos um olhar unidimensional para medir o progresso de nossas nações:
“…Nosso Produto Interno Bruto (PIB), agora, é de US $ 800 bilhões de dólares por ano, mas este Produto Interno Bruto – se julgar os Estados Unidos da América por isso – leva em consideração a poluição do ar e a publicidade do cigarro, ambulâncias para limpar nossas rodovias de carnificina. Inclui fechaduras especiais para nossas portas e prisões para as pessoas que quebrá-las. Inclui a destruição de árvores e a perda de nosso lindo mundo natural em nome da urbanização caótica. Inclui bombas poderosas e ogivas nucleares e carros blindados para a polícia combater os distúrbios em nossas cidades. Rifles Whitman e facas Speck, e programas de televisão que glorificam a violência para vender brinquedos para nossas crianças.
No entanto, o produto interno bruto não inclui a saúde das nossas crianças, a qualidade da sua educação ou a alegria de suas brincadeiras. Não inclui a beleza de nossa poesia, ou a qualidade dos nossos relacionamentos, a inteligência ou a integridade de nossos funcionários públicos. Não mede nem nossa inteligência nem nossa coragem, nem a nossa sabedoria, nem a nossa aprendizagem, nem a nossa compaixão, nem a nossa devoção ao nosso país, ou seja, mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena. E ele pode nos dizer tudo sobre a América, exceto porquê estamos orgulhosos de ser americanos…”
A pandemia que estamos vivenciando nesse momento e que nos levou para dentro de nossas casas e ao distanciamento social, tem nos feito pensar sobre nossas vidas e em que tipo de sociedade queremos viver. Para podermos passar por esse momento desafiador, estamos vendo a necessidade de estarmos em paz, conscientes de nosso papel na sociedade, exercendo nossa solidariedade, confiando nas instituições, atuando com compaixão e amor. Neste momento, são essas dimensões da vida humana que importam.
Não há dúvida que ter e gerar recursos para garantir uma vida digna para todos é fundamental, principalmente para passarmos por momentos de crise como o atual. Apesar da dimensão econômico-financeira ser fundamental, não é suficiente para garantir resiliência e harmonia em todas as nossas relações, ou seja, conosco mesmos, com o outro e com tudo que nos cerca. Garantirmos também o desenvolvimento de outras dimensões em tempos mais tranquilos nos proporcionará o necessário para sermos resilientes e sustentáveis, principalmente em tempos de crise.
Medirmos nossa riqueza enquanto indivíduos e enquanto sociedade apenas pelo PIB parece, assim, muito pouco para garantir que estamos progredindo enquanto sociedade. Pensando nisso, não seria agora o momento ideal para revermos as premissas com as quais avaliamos a riqueza da nossa nação para, então, podermos alcançar níveis mais elevados de vida em sociedade e do pleno exercício de nossa cidadania? Que tal sairmos desse período de quarentena avaliando, enquanto sociedade, tudo o que realmente importa?